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quarta-feira, janeiro 11

Erva daninha

Adelaide faz compotas para fora. Vende-as numa banca ao fundo do mercado. Em silêncio, sem pregões, alinha os frascos cobertos com retalhos de chita, restos que a dona da loja de cortinados lhe dá em sacos de plástico. Tão nova e já viúva, uma pena. Dizem as mulheres que lhe levam os frascos. Adelaide não as ouve. Mas adivinha-lhes a pena de quem não tem mais nada que dizer, só pelo curvar das costas. A viuvez sem cabelos brancos é uma coisa que não pertence ao correr dos dias da terra. Tivesse eu menos um punhado de anos e casava-me consigo, diz-lhe sempre o homem que lhe vende a fruta, enquanto lhe carrega a carrinha com caixas de madeira. Adelaide sorri com embaraço enquanto desvia os olhos do rosto cravado de cicatrizes de uma varicela mal tratada, e das unhas pretas de terra. As mãos assustam-na, trazem-lhe más memórias. A gente habitua-se à solidão, responde. Foi num acidente a caminho de casa. Ficou-se lá, todo desfeito. Adelaide escuta as vizinhas ao entrar na casa, construída com dinheiro que o pai ganhara no lagar de azeite. Enquanto corta a casca das tangerinas em tiras finas, os olhos fogem-lhe para o armário onde guarda o remédio para as daninhas. Os mesmos que estavam em cima da bancada na noite em que o guarda lhe trouxe a notícia. E lembra-se das noites cheias de mãos de unhas sujas. Que lhe deixavam o corpo negro e uma vontade imensa de morrer. Ouviu a notícia em silêncio sem mexer um músculo do rosto. Fechou a porta quando o guarda entrou no carro e calmamente guardou os frascos de herbicida no armário. Já não é preciso. Disse. Já não é preciso, repetiu enquanto as lágrimas lhe caíram de alivio.


Doce de tangerina



1,5kg de tangerinas
700g de açúcar

Esprema o sumo das tangerinas, coe e reserve. Corte as cascas das tangerinas em tiras muito fininhas e escalde-as por duas vezes consecutivas em água a ferver para perderem o amargo.  Junte as cascas ao sumo e adicione o açúcar e deixe a macerar no frigorífico durante a noite. No dia seguinte leve ao lume até atingir o ponto (colocando um ponto de compota num pires, ao passar com uma colher esta deverá manter-se separada). Deite em frascos esterilizados.

12 comentários:

  1. Esse doce de tangerina está com um belissimo aspecto e muito boa consistência. Adoro tangerina e vou aproveitar para prolongar a sua existência durante o resto do ano com este doce :)

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  2. Um final revelador! Gosto da subliteza como é contado.
    Como sempre, bem escrito :)

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  3. Lindo doce amiga adorei ainda por cima de tangerina, ficou com uma cor muito bonita, adorei!

    beijinhos

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  4. Adorei o texto... Levei emprestado para aqui!! ;-)

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  5. Nem o doce da compota consegue amaciar as agruras da vida!
    Essas temos que as mastigar cruas e bem salgadas!

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  6. Ai... e eu que adoro doces de citrinos. Não sabes, por acaso, uma receita para doce de limão?

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  7. Amargo e doce, sabores da terra em que estou presentemente.
    Um belo texto e o doce de tangerina? É de experimentar!
    Gostei de passar por aqui...e vou voltar!
    Um abraço...de Macau!

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  8. Há lágrimas assim...doces, serenas e caladas.

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  9. Hoje surpreendeste-me com o fim da estória. Paaso aqui sempre que os teus feeds acendem cheia de curiosidade de ler os teus textos e ver as tuas receitas, são sempre uma combinação perfeita.

    um abraço e boa semana

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  10. Belo texto e excelente receita! Vou fazer este doce em breve.

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